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A mostrar mensagens de maio, 2015

15 - QUEM SOU E O QUE FAÇO AQUI?

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Tudo se transmutava, se transfigurava e derretia. Ana Carlota deixou de saber quem era, sentia-se uma perfeita desconhecida. Aquela continuava a ser a mais maravilhosa de todas as festas às quais tinha assistido. A orquestra tovaca de maneira irrepreensível, o vestido verde da bailarina era maravilhoso e destacava-se dos demais pelo tom e pela extrema leveza dos tecidos usados na sua confeção. No final, todos aplaudiram, os músicos agradeceram e a orquestra deu início ao Danúbio Azul com o qual terminariam a atuação. Era muito difícil tentar explicar este sonho. Ana Carlota apenas via a rapariga com o rosto igual ao seu a dançar e a esvoaçar num esplendoroso vestido verde de shantung e seda. O Danúbio Azul existia no sonho de ambas, ou na realidade das duas, ou no sonho de Carlota e na realidade da bailarina, ou vice-versa, e a jovem continuava perdida no estreito intervalo entre sonho e realidade, sem saber o que lhe estava a acontecer. Permanecia desmaiada, e as im

14 - SONHOS, OU MALDITA REALIDADE?

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A orquestra começou a tocar uma das mais famosas valsas de Strauss. Os convidados principiaram a dança embalados pela magnífica melodia, e valsavam alegremente na deslumbrante pista do salão. Um par de dançarinos destacava-se dos demais. O rapaz vestia um elegante fraque de corte justo, levemente cintado, e a rapariga trazia um esplendoroso vestido verde, pouco tradicional, dotado de uma leveza rara, com um decote estrelado na frente e totalmente aberto nas costas. A saia rodada, em seda e shantung, tinha aplicações de centenas de pérolas todas cosidas à mão. Eduardo Damião conduzia uma belíssima jovem com a mestria de um verdadeiro profissional pelo meio dos convidados, visivelmente agradados por poderem partilhar o baile com o famoso par. O mundo era deles enquanto dançavam, e faziam-no com uma graça e requinte inexcedíveis. Deixavam de ser quem eram enquanto valsavam, tudo desaparecia, até ficarem a sós com a orquestra no imenso salão de baile da grande mansão. Ana

13 - CHUVA DE PEDRAS

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Ana Carlota correu por mais uma hora, sem mostrar cansaço, com os olhos bem abertos a olhar em frente para a imensidão de luz branca que era tudo o que ali existia. Gostava de correr, e gostou de tudo o que sentiu quando se tocou e se redescobriu. As sensações regressaram ao corpo que era seu, que nunca deixou de lhe pertencer, e as lágrimas correram-lhe pelas faces, e ela ficou feliz porque recordou, e parou de correr. Saltou para o ar, em frente, numa espécie de salto de anjo, e foram muitas as pedras que lhe passaram por cima a grande velocidade, pedras grandes e pequenas. De onde vieram e quem as atirara, não o sabia. O corpo de Ana Carlota ficou moldado no chão branco do lugar, depois de nele ter caído desamparada. Levantou-se e conseguiu ver o seu físico desenhado com uma perfeição e um detalhe notáveis. Sentiu-se acompanhada, já não estava tão sozinha, e sorriu. Estava feliz e não deu conta que as pedras continuavam a ser arremessadas na sua direção. Um seixo enorm

12 - DEIXOU DE SABER QUEM ERA

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Não existia nada naquele lugar luminoso e tão afastado de tudo e de todos, onde nada acontecia. Carlota sentou-se, deitou-se, colocou o corpo em muitas posições estranhas até que a solidão lhe bateu à porta e ela pensou que talvez fosse melhor caminhar. Era impossível enxergar alguma coisa no denso nevoeiro luminoso, pois ele era tudo o que ali existia. Ana Carlota não queria ter medo de sonhar, detestava quando esse pensamento incompreensível lhe acontecia, mas era-lhe tão difícil viver naquela angústia, sem saber se era verdade ou mentira tudo o que lhe ia acontecendo. E nem sequer conseguia imaginar que novo local era aquele onde se encontrava. Se ela fechasse os olhos com muita força, talvez conseguisse acordar. Sim, acordar! Aquele imenso deserto branco onde passeava não podia ser verdadeiro, era só nisso que ela acreditava. Passeou horas inteiras por caminhos sem destino, andou, e andou, e andou, gastou horas a andar sem direção, na tentativa de procurar referências o

11 - PERDIDA NO DENSO NEVOEIRO

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Uma tempestade escutou-se ao longe e as águas do rio pararam, e os peixes deixaram de nadar, e o barqueiro ladrão ficou quieto tal como o barco. Por cima deles, no exato local em que se encontravam, nuvens escuras e sinistras tomaram conta do céu. O vento deixou de soprar. Apesar de Ana Carlota se conseguir mover com naturalidade, tudo o resto estava estático como um gigantesco holograma. Não se escutavam quaisquer sons ou ruídos. Deixou de ser possível distinguir a temperatura que fazia. A luz do sol apagou-se, deixou de facultar a cor aos objetos mergulhando tudo em tons de branco, preto e cinza. E para quem julgava não poder acontecer uma estranheza maior, a paisagem e todos os objetos ganharam uma transparência rara que os fez desaparecer. Tudo o que era nuvem, ou gente, ou coisa, desvaneceu-se, até que só ficou o nada numa vastidão de branco onde reinava um nevoeiro cerrado. Ana Carlota ficou espantada com o acontecimento, mas o seu espanto inicial cedo foi sub