33 - UMA PONTE FEITA DE SEDA
Espírito do rio cantou ao regressar às nuvens leves
e arredondadas, cantou ao conseguir fugir do pescador que quase o conseguiu
apanhar.
Ana Carlota adorou ver a cara do avô depois de ele
ter desistido de lutar contra o Espírito do rio. O seu rosto era um misto de
desalento e tristeza, e ela tinha a alma sorridente. A boca sabia-lhe mal e o
estômago doía-lhe. As dores obrigavam-na a contorcer-se, mas tinha valido a
pena. Ela não conseguia esconder o seu contentamento. Ergueu-se, e abraçou-se
ao avô Tomé com quem trocou beijos perfumados. Unida ao corpo do avô, Carlota
observou a silhueta nobre da moradia apalaçada que lhe pareceu mais bela do que
nunca. Prometeu a si própria que nesse mesmo dia, após o entardecer, a iria
visitar.
E foi isso mesmo que aconteceu.
Na noite negra daquela treva sem fim, as águas vermelhas
receberam de volta Espírito do rio que depois bordou uma ponte feita de seda que
o transportou para o lugar onde os homens se aniquilaram em alamedas de horror.
Debruou a passagem com o auxílio do anzol prateado que quase o aniquilou, usando
a boca como dedos hábeis de uma bordadeira. Perpassou tudo com perícia e arte, fiando
a ponte com fios sedosos de cor branca. Depois do trabalho estar concluído, entrou,
e encontrou do outro lado um céu ardente e uma paisagem enlouquecida. Não era fácil
nadar naquele lugar onde jovens carpas alucinadas de olhares fixos e luminosos cuspiam
fogo pela boca. Tudo acontecia de maneira furiosa e decadente. Aquele terrível redemoinho
de projéteis era sacudido para longe do corpo de Espírito do rio muito antes de
o ameaçarem atingir, e não feriam Matsuba. Cruzavam os ares castigados da Flandres
francesa como um imenso carrossel de uma feira tenebrosa.
As carpas estavam cegas pelo ódio, e eram extremamente
violentas. Rugiam e chiavam enquanto matavam tudo o que lá em baixo se mexia. Matsuba
conseguiu ziguezaguear no espaço antes de se lançar em voo picado pelo meio de obuses
e todo o tipo de projéteis.
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