22 - A MINHA SALVADORA




Nadava Matsuba sem que ninguém o visse, solitário, como de costume, naquele espaço exíguo onde os pensamentos se faziam escutar.
Ali estava o limbo branco e iluminado para onde Ana Carlota atraiu Damião.
Espírito do rio sabia que só ela podia ser a responsável pela sua libertação. O avô Tomé aguardou anos pela oportunidade de pescar a mais antiga e famosa das carpas do rio, e esteve quase a concretizar esse seu sonho, não fosse a neta mais velha ter ficado indisposta e ter vomitado, aos jatos, para o interior da pequena embarcação. Tomé ficou assustado, primeiro, e pesaroso, depois, para além de ter ficado muito preocupado com a neta que não parava de vomitar.
Matsuba aproveitou a oportunidade para fugir.
Ela devia a sua vida à súbita indisposição de Ana Carlota, que nada teve de acidental.
Espírito do rio nunca parava de nadar, a sua presença enchia o quarto misterioso.
Ana Carlota permanecia desmaiada com Eduardo Damião agachado ao seu lado, sem saber o que fazer. Só em filmes ele tinha visto um lugar como aquele, e estava longe de imaginar que viria a conhecer um sítio assim, tão estranho e misterioso.
- Porque me trouxeste até aqui? – perguntou Eduardo Damião, ainda mal refeito de tanta surpresa. – Onde estamos, que lugar é este, afinal? O teu quarto é uma grande ilusão, afinal não há nada cá dentro, só este nevoeiro branco e esta luminosidade estranha que me incomoda. Ana, consegues ouvir-me? Porque estás deitada, é para fazeres de conta que estás a dormir?
 Eduardo não conseguia escutar a sua voz. As perguntas foram feitas aos gritos e ele nem se apercebeu.
- Estamos só no início, apenas no princípio de qualquer coisa. Os inícios são quase sempre assim, vazios, iluminados, esperançosos, e, no meu caso, muito brancos. Aqui posso sonhar e imaginar tudo o que me apetece, mas ultimamente quase tudo o que me sucede tem escapado ao meu controle. Eu não te queria trazer até aqui desta maneira, mas tudo o que fiz foi-me impossível de contrariar. Tal como em sonhos, nada do que ia acontecendo era da minha responsabilidade. Se aqui vieste parar, foi porque alguém o desejou. – Ana Carlota respondeu-lhe através do pensamento. Permanecia desmaiada e sem se mexer. – Há quem diga que já vivemos nesta casa onde tudo nos é familiar. Encontrei provas, retratos antigos em que alguém muito parecido connosco aqui viveu. Um desses retratos era o de um jovem soldado, fardado com um traje de cavalaria, muito antigo. O militar tinha o mesmo rosto que tu, parecia uma fotocópia tua.
 Eduardo Damião acreditava que tudo aquilo mais não era que um jogo ou uma partida de mau-gosto que Ana Carlota resolvera pregar-lhe.
Matsuba sabia onde eles estavam, apesar de ser impossível ver um palmo à frente dos olhos. Decidiu que tinha de conhecer a sua salvadora pessoalmente, e nadou até ao lugar onde eles estavam.
Ana Carlota abriu os olhos. Tinha chegado a hora de conhecer o espírito do rio. Carlota não o conseguia ver nem ouvir, mas sentia a sua presença, bem forte, ali na sua frente.
Não estava enganada.
A grande carpa tinha parado na frente deles, um tudo nada acima das suas cabeças, e estava felicíssima.

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