16 - AQUELA ERA UMA CASA DE SONHO
- Não quero acordar! Eu não quero saber de mais
nada!
Ana Carlota não queria acordar, não queria saber de
mais nada.
Deixou de compreender o mundo que a rodeava, e isso
assustava-a.
Deixou de saber quem era, por breves instantes, e
não sabia que lugar era aquele, tão branco e luminoso, onde descansava.
Como não compreendia os estranhos casos que iam
ocorrendo, preferiu permanecer quieta e sossegada, e sem nenhuma vontade em
acordar. Ela só queria poder gozar a paz daquele lugar vazio, espaço delirante
inventado pela sua fértil imaginação.
Carlota adorava saltar o pequeno portão enferrujado
para visitar a residência. Mas o que ela gostaria mesmo era que alguém lhe
pudesse ter mostrado a mansão dos seus sonhos, ao pormenor, logo após a sua
construção.
Quando o silêncio se fazia escutar, as formas de
todas as divisões evolavam-se num licor esbranquiçado, e ela vislumbrava
espaços apartados e sítios que ficavam perdidos entre sonho e realidade. A
mansão, que sempre exerceu um enorme fascínio sobre ela, surgiu-lhe cercada por
uma misteriosa névoa luminosa que ela não foi capaz de compreender. As
histórias dos seus sonhos desfizeram-se com as paredes da habitação, e passaram
a confundir-se com a história da sua própria vida. Entraram por ela dentro sem
pedirem permissão.
O desmaio trouxe-lhe outra história inexplicável, e
mais imagens da casa onde ambicionava, um dia, poder viver. As vistas para o rio
não podiam ser mais perfeitas. As varandas dos quartos, enormes e solarengas,
possuíam janelas sublimes adornadas com motivos florais típicos da arte nova, que
permitiam fruir todas as paisagens.
A entrada era imponente, mas nunca pretensiosa. Nela
havia uma grande porta que dava acesso a um imenso átrio de planta circular,
faustoso, que estava iluminado por pequenas pérolas de luz coloridas que
chegavam do exterior, atravessando vitrais esplendorosos. Ana Carlota tinha
dificuldades em descrever o interior da residência, mas sabia que nessa entrada
crescia uma longa escadaria com mais de uma vintena de degraus, mais largos no início
do que no topo, e com muitos requintes de Art
Nouveau. Alguns dos tetos ogivados continham pinturas ornamentais com
motivos medievais, outros de inspiração árabe, e outros ainda com temas
naturalistas, tudo numa profusão de estilos e de contrastes bastante improvável,
mas que por um qualquer estranho desígnio resultava num conjunto coerente e
harmonioso. Dentro de casa existiam muitas colunas e colunatas, alguns arcos
romanos, bastantes arcos contracurvados, uma dezena de arcos ogivais e outros
tantos em ferradura, isto para além de vários lustres e candelabros de cristal,
paredes espelhadas, lambris, balaustradas e soalhos em madeiras nobres e
requintadas. No interior achava-se uma espécie de claustro através do qual a
luz natural se espalhava pelos inúmeros recantos da moradia. Também esse era um
espaço de difícil descrição, pois eram muitos os elementos artísticos e
ornamentais aí existentes, transformando a casa numa verdadeira moradia
apalaçada.
Na escadaria principal que dava acesso aos pisos
superiores, havia balaústre e corrimões em forma de tronco de árvore, e os
degraus eram propositadamente distorcidos para acentuar o efeito naturalista do
conjunto. Tudo foi elaborado pelos artífices mais virtuosos. No primeiro piso
um imenso vitral dominava o grande corredor que ligava a uma outra escadaria
que subia ao piso superior de onde, finalmente, se podia aceder ao grande sótão.
As vistas que daí se podiam contemplar eram de cortar a respiração. Era
precisamente nesse imenso espaço, que se estendia até junto ao torreão
cilíndrico, que ficava a área que Carlota afirmava vir um dia a ser o seu
quarto.
Aquela era a mais bela das divisões da mansão.
Ali, no topo da moradia apalaçada, ficava a
verdadeira casa de Ana Carlota.
- Eu não quero acordar! Não quero saber de mais
nada!
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