14 - SONHOS, OU MALDITA REALIDADE?
A orquestra começou a tocar uma das mais famosas
valsas de Strauss. Os convidados principiaram a dança embalados pela magnífica
melodia, e valsavam alegremente na deslumbrante pista do salão.
Um par de dançarinos destacava-se dos demais. O
rapaz vestia um elegante fraque de corte justo, levemente cintado, e a rapariga
trazia um esplendoroso vestido verde, pouco tradicional, dotado de uma leveza
rara, com um decote estrelado na frente e totalmente aberto nas costas. A saia
rodada, em seda e shantung, tinha aplicações de centenas de pérolas todas
cosidas à mão.
Eduardo Damião conduzia uma belíssima jovem com a
mestria de um verdadeiro profissional pelo meio dos convidados, visivelmente
agradados por poderem partilhar o baile com o famoso par.
O mundo era deles enquanto dançavam, e faziam-no com
uma graça e requinte inexcedíveis. Deixavam de ser quem eram enquanto valsavam,
tudo desaparecia, até ficarem a sós com a orquestra no imenso salão de baile da
grande mansão.
Ana Carlota, que nunca tinha assistido a uma festa daquelas,
gostaria de saber dançar como a jovem bailarina que valsava com Eduardo Damião.
Eles pareciam autênticos atores saídos do elenco de um filme muito antigo, e o cenário
não podia ser mais hollywoodesco. Ana
Carlota já não era capaz de raciocinar.
Nos sonhos é indiferente se as imagens são a cores ou
a preto e branco, nos sonhos apenas interessa a memória do que lá acontece, mesmo
que não saibamos deslindar as horas e os dias em que elas sucedem.
Ana Carlota raramente sonhava a cores, mas não se lembrava
das cores que coloriam os seus sonhos. O verde do vestido da bailarina, a cor dos
limos e das cobras, a cor da madeira dos soalhos e das paredes da grande mansão,
essas ela sabia e recordou-as sem dificuldade.
Talvez fosse verdade tudo o que se passava naquela festa,
talvez ela não estivesse a fazer parte de um sonho.
A bailarina tinha um rosto igual ao de Carlota!
Uma cara tão idêntica à sua.
Era ela a dançar com Damião, ou então alguém muito, muito
parecido, pois Ana Carlota era incapaz de valsar assim.
A parecença eram notável, e causou-lhe um grande desconforto.
- Sonhos malditos!! E maldita realidade!
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