12 - DEIXOU DE SABER QUEM ERA
Não existia nada naquele lugar luminoso e tão
afastado de tudo e de todos, onde nada acontecia. Carlota sentou-se, deitou-se,
colocou o corpo em muitas posições estranhas até que a solidão lhe bateu à
porta e ela pensou que talvez fosse melhor caminhar. Era impossível enxergar
alguma coisa no denso nevoeiro luminoso, pois ele era tudo o que ali existia.
Ana Carlota não queria ter medo de sonhar, detestava
quando esse pensamento incompreensível lhe acontecia, mas era-lhe tão difícil
viver naquela angústia, sem saber se era verdade ou mentira tudo o que lhe ia
acontecendo. E nem sequer conseguia imaginar que novo local era aquele onde se
encontrava.
Se ela fechasse os olhos com muita força, talvez
conseguisse acordar. Sim, acordar! Aquele imenso deserto branco onde passeava
não podia ser verdadeiro, era só nisso que ela acreditava. Passeou horas
inteiras por caminhos sem destino, andou, e andou, e andou, gastou horas a
andar sem direção, na tentativa de procurar referências onde elas não existiam.
Não havia nada por onde ela se pudesse orientar, mas
também não podia desistir, o melhor era mesmo continuar a andar, e várias foram
as horas passadas em movimento sem ter tido sede ou fome uma única vez. Onde
iria ela encontrar alimento ou comida por ali?
As ideias começaram a ficar confusas e as memórias
começaram a fugir, até que esvaeceram, muito lentamente, como aconteceu com
toda a paisagem circundante.
Ana Carlota chegou a esquecer o próprio nome e de
como ali chegara. Olhou atentamente para as mãos e os dedos e deu-lhes uso para
se tocar à procura de saber que era, e que formas possuía.
Descalçou-se, depois despiu-se e começou a
descobrir-se como se fosse aquela a primeira vez. O seu corpo era-lhe
desconhecido.
Falou para os dedos, observou as unhas e as palmas
das mãos. Fez festas com os polegares e os indicadores em várias zonas do
corpo, em quase todos as áreas e os espaços, e depois demorou-se uma pequena
eternidade a tentar adivinhar as formas do seu rosto incógnito.
No ténue espaço entre sonho e realidade, se apagam
as memórias dos que por lá ficam esquecidos. Ana Carlota já quase tinha deixado
de saber quem era. O corpo ainda lhe pertencia, por isso se tocava, se redescobria,
se compunha. Era o procedimento necessário para não perder de vez a imagem de
quem era, e para não deixar desbaratar as suas memórias. Tocou e experimentou a
totalidade das partes do seu corpo, pelas vezes que considerou necessárias, e
muitos foram os dias gastos na função.
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