09 - TENTAR APANHAR O LADRÃO
O barco do avô Tomé boiava no meio do rio, mesmo
entre as margens. Carlota não estava à espera de o voltar a ver tão cedo.
Alguém estava sentado lá dentro e tinha parado de remar para melhor desfrutar o
momento. O homem fazia tudo o que queria, era como se o barco lhe pertencesse.
O melhor gatuno é o que procede com a maior das naturalidades, sem levantar a
mínima suspeita. Gatuno! A lata do sujeito. Ali estava o causador de tanto
incómodo, e agia com uma à-vontade desconcertante.
Ana Carlota parou, e nela cresceu uma súbita vontade
de se atirar ao rio e nadar até ao barco para apertar o pescoço ao gatuno.
Avançou até à margem e reparou que ali perto se encontrava um jovem a limpar
uma lancha moderna de aspeto veloz, com um motor fora de borda. O rapaz ficou
admirado com a presença de Ana Carlota. Era ainda muito cedo e também não era
costume haver gente a passear por ali.
Sem pensar duas vezes, Carlota abeirou-se da lancha,
saltou lá para dentro sem pedir licença, e ordenou:
- Anda, não temos tempo a perder! Aquele homem que
ali se encontra no meio do rio é um bandido da pior espécie. Foi ele quem
roubou o barco da família e nos estragou o dia. O bote é do meu avô Tomé, e
pertence-lhe há mais anos do que aqueles que tu e eu somamos. Então, de que é
que tu estás à espera? Põe o motor a trabalhar e leva-me até junto daquele
gatuno o quanto antes…
- Pois claro! É mesmo isso que eu vou fazer. Mas
afinal quem julgas que eu sou, algum polícia marítimo, um detetive privado ou
um simples taxista?
Ana Carlota depressa caiu em si. Tinha sido brusca,
e muito atrevida, e nem parecia ela a proceder assim.
- Tens razão, desculpa! Tens toda a razão! Não sei
onde estava com a cabeça. Chamou-me Carlota, Ana Carlota, e aquele homem é o
ladrão que hoje roubou o barco de pesca à minha família.
- Está melhor, um pouco melhor, mas mesmo assim eu
não sei se tu és quem dizes ser, e se é verdadeira essa história que me contas.
Algumas jovens como tu são manipuladoras natas, e seriam até capazes de
imaginar uma cena destas só para eu as levar a passear na minha lancha a motor.
Talvez tu sejas uma dessas raparigas? Se não provares o que dizes, podes sair
pelo mesmo sítio por onde entraste.
- Eu conheço-te! Sim, pois claro… és mesmo tu! Eu
vi-te a dançar na festa que ontem aconteceu na mansão abandonada, por isso a
tua cara não me era estranha.
- Não faço a mais pequena ideia do que estás para aí
a dizer. O melhor que tens a fazer é sair do meu barco. Eu tinha razão, tu és
igual às outras raparigas que por aqui aparecem de quando em vez. Tentas
enganar-me com essa história bizarra para eu te levar a passear na minha lancha
moderna.
- Podes dizer o que quiseres, bem podes tentar mudar
o assunto da conversa, mas agora fiquei com a certeza absoluta que estiveste
presente na festa de ontem à noite. Dançavas no grande salão com uma rapariga
de vestido verde musgo. Era lá que decorria o baile e muita gente bailava, e eu
fixei o teu rosto no meio de tantos dançarinos e dançarinas, sem saber porquê.
Tu rodopiavas com ela ao som de uma das mais conhecidas valsas de Strauss. Se
não me queres ajudar, estás no teu direito, mas não tentes fazer-me passar por
tola ou mentirosa. Eu sei que eras tu, e tu sabes que eu tenho razão…
O rapaz ficou desarmado perante as certezas de Ana
Carlota, mas não quis confirmar nada do que ela lhe tinha acabado de dizer.
Ligou o motor, e avançou com a lancha na direção do barco do avô Tomé.
- Chamo-me Eduardo, Eduardo Damião, agora segura-te…
vamos chegar num abrir e fechar de olhos – disse o rapaz, muito determinado –
só espero que o gatuno não tenha por lá uma arma escondida para nos receber aos
tiros.
O rio nunca antes tinha sido palco para uma
perseguição.
Ana Carlota estava contente pela ajuda, mas ao mesmo
tempo havia muita estranheza na maneira como tudo aquilo se estava a passar, e
as palavras de Eduardo deixaram-na receosa.
- Para, para o barco imediatamente! – gritou ela
momentos antes do rapaz dar início à manobra de abordagem. – Para! E se o
gatuno tiver mesmo armas a bordo. Não podemos arriscar um ataque assim, sem
mais nem menos.
Eduardo apenas tinha dito aquilo para tornar mais
excitante a cena da perseguição, e pensou que era a vez de Carlota brincar com
a situação, isso, ou então a rapariga tinha mesmo um parafuso mal apertado,
pois ninguém no seu perfeito juízo podia acreditar que um vulgar ladrãozito de barcos
a remos pudesse andar armado com pistolas, espingardas ou caçadeiras de canos serrados.
Com franqueza.
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