06 - ENGANOS E MAIS ENGANOS
A carpa Matsuba demorou algum tempo a refazer-se do
acontecimento. Aquela tinha sido a primeira vez que Espírito do rio passara por uma situação tão delicada durante um
confronto com um pescador. A sua boca foi perfurada por um grande anzol de
metal porque ela não conseguiu resistir ao famoso engodo do avô Tomé, que
acabou por encantá-la. A sua mestria e incomparável capacidade de liderança
tinha sido posta à prova, e somente um improvável golpe de sorte lhe devolveu a
liberdade, quando já nada o fazia prever. Não havia engodo mais apetecível que
o daquele pescador. No exato local onde tinha sido lançado, na margem do rio
perto da velha mansão abandonada, continuavam a chegar carpas às centenas. Era
sempre ali que as pescarias do avô Tomé tinham mais sucesso, e ele não sabia
como explicar um tal fenómeno, só que daquela vez as coisas não aconteceram
como era habitual.
Ana Carlota compreendeu que havia alguma coisa de
profundamente errado na manhã de pescaria. Os vómitos não costumavam acontecer-lhe
assim com aquela facilidade, e pequenos solavancos como aqueles não seriam
capazes de lhe causar tantos enjoos. Esse foi o detalhe que lhe chamou a
atenção.
Tudo o que ali acontecia fazia parte de um sonho.
Ana Carlota estava a experienciar mais um daqueles seus episódio perturbadores,
onde os sonhos são mais reais que a própria realidade, só que desta vez quase
não dava pela diferença. Ela tinha sido enganada pelos cheiros, pelas palavras,
pelas paisagens e, por muito que lhe custasse, pelo seu amigo rio.
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